Quem me vê e não me viu.

"Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. " (Carlos Drummond de Andrade)

No começo foi de brincadeira. Ou talvez nunca tenha sido de brincadeira, não estou certo. Mas a verdade é que um dia, sozinho em casa, resolvi conhecer os efeitos que a maconha teria sobre mim. Tossia como se estivesse engasgado com o mundo, mas insisti. Nunca fumara nada, e estava finalmente quebrando tabus, era assim que pensava. Os colegas se deram por satisfeitos, até que enfim, a gente pensava que você era "careta". Assim como tantos, comecei a chamar os que não fumavam de caretas e passei a frequentar um mundo de não-caretas, de muito loucos, que faziam o que bem queriam. Não tardou muito para querer fazer coisas bem piores, usar drogas mais pesadas. Bebia muito, cheirava todas...e a vida transcorria como sempre, eu pensava.
Só bem mais tarde percebi o quanto a vida passou mais rápida, e o quanto afundara nesse famoso poço sem fundo. Descobri, então, se tratar de um tudo posso sem fundo, de um fundo onde nada posso, um fundo no poço, um poder que levou-me para o fundo, mas olhando apenas para o raso da vida. Desprezava essa vida e desprezado por todos os olhares, andava pela rua a procura de mais droga, em busca de mais prazer incessante. (E tu, por onde andavas que não me encontravas, que não me querias encontrar? Por que demoraste tanto em saber de mim, em me estender tua vida para que a minha fosse retirada do fundo do oceano poluido?) Nem sei dizer quanto tempo, nem sei dizer quantos horrores.
O que sei, meus amigos, é que sou passageiro do trem que quase descarrilhou, mas que voltei. Sou mensageiro do mundo que vive a margem, do qual ninguém quer ouvir, mas consegui atravessar o portal que nos separa, e ao fazê-lo, felizmente não pude mais voltar para aquela dimensão. Sou enviado dos céus, algumas vezes, para tentar atrair mais gente para essa nossa dimensão, fazer descer do trem que se espatifará, mais cedo ou mais tarde. Sou tradutor de tantas palavras que alguns possuídos não conseguem entender, ou de pedidos que esses mesmos fazem ao nosso mundo. Sou quem precisa estar atento, a todo momento, para não se esquecer do que foi, do que é, e do que pode vir a ser. Devir, devir, devir. Algumas vezes, ilusões. Outras, invenções. A maioria, amor imenso pela vida.

"O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas." (Carlos Drummond de Andrade)

Comentários

Roger Xavier disse…
It is my uncle, comrade, friend and godfather ... Why did this with our lives, I know very well what you're talking about. Hugs...
Regina Melchior disse…
Quanta solidão amor... meu coração se contrai ao pensar nesse abandono... me orgulho por você ter saído e mais ainda por poder ajudar quem ainda está. E mais, hoje vc que me resgata, equilibra nossa família, me estabiliza, me cura das minhas aflições de mãe, me apóia nas minhas incertezas profissionais, me faz muito feliz como sua mulher e ainda me recolocou no caminho de Deus! amo você!
Fábio Adiron disse…
Parabéns pela coragem do relato.

Apoio e força para ajudar a colocar outros trems de volta em trilhos que levem para longe do abismo

Abraço
Sabrina disse…
Paulo,
Vc é muito vitorioso...Quando lhe falava brincando de que a vida era mais difícil pra certas pessoas, isso somente se aplica as que conseguem traçar sua prórpia história pelo caminho mais difícil. Você é um exemplo disso, que até mesmo nas dificuldades, teve força pra reagir, recostruir e ser feliz. Você é realmente SUPER!! rs!!
Um abraço de alguém que te admira muito!
Sabrina.
Anônimo disse…
È, que bom que sempre podemos escolher outros caminhos, parabéns pela escolha do seu.
Paulo Cesar disse…
Queridos, obrigado pelas palavras...dessa vez, vou postar apenas no plural mesmo. Até porque não saberia o que dizer a cada um de vocês...
Mas digo de coração: muito obrigado.

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